A arte rosa de tourear: A Fábula do Flamingo Moralista e os Animais Cor-de-Rosa

Havia, num vasto campo verdejante, uma estranha comunidade de animais cor-de-rosa. Eram criaturas vistosas, plumas brilhantes e discursos eloquentes, sempre prontos a levantar a crista para proclamar a moralidade alheia. Entre eles, destacava-se um flamingo altivo, de pernas longas e voz melodiosa, que se equilibrava nas costas dos touros que pastavam livremente na pradaria.

O Flamingo Moralista, como era conhecido, passava os dias a observar os outros animais, escolhendo cuidadosamente aqueles que julgava indignos da companhia da sua família cor-de-rosa. Com grandes esgares e sacudidelas de penas, proclamava perante todos que um jovem touro, acabado de chegar ao campo, não deveria ali estar. “Ele traz consigo suspeitas e sombras!”, grasnava o flamingo, empoleirado nas costas de um velho touro, como se estivesse acima do próprio mundo.

Os outros animais pararam para ouvir. Alguns coçaram a cabeça, pois, se havia coisa que não faltava naquele campo, eram histórias de cor-de-rosa que tinham sido investigadas, denunciadas e até condenadas. Mas, ao que parecia, quando era um deles, o flamingo não se inquietava tanto.

“Ouve lá, Flamingo”, disse um camaleão, que tinha visto muitas cores ao longo da vida. “Dizes que este touro não pode ficar porque há quem o investigue, mas tu próprio pousas sobre outros touros que têm muito mais poeira levantada. Não achas isso estranho?”

O flamingo endireitou-se, alisou as penas e respondeu com altivez: “Não é a mesma coisa. O nosso campo precisa de pureza! Precisamos de moralidade!”

Foi então que se ouviu um murmúrio entre os outros animais cor-de-rosa. Um porco-rosado, de barriga farta e sorriso astuto, grunhiu: “E que diremos do velho hipopótamo rosado, que guardava tesouros no lodo do pântano e ninguém quis expulsar? Ou do coelho veloz, que fugia sempre quando alguém tentava perguntar-lhe sobre as cenouras desaparecidas?”

Mas o flamingo fez de conta que não ouvia. A moralidade, naquela pradaria, parecia ser uma ferramenta a ser usada apenas contra os adversários, nunca contra os amigos.

E assim, enquanto o touro jovem era mantido à margem, os outros animais cor-de-rosa continuavam a marchar, pavoneando-se ao sol, ignorando os reflexos da sua própria cor na água do lago.

Moral da história? No reino dos cor-de-rosa, a moralidade é um espetáculo para a plateia, e o flamingo que grita mais alto pode bem estar pousado nas costas de um touro sujo, desde que seja o touro certo.

Paulo Margato

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