
A Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, reunida em sessão plenária, não pode permanecer em silêncio perante a tragédia humana que continua a desenrolar-se em Gaza, onde milhares de vidas civis, incluindo milhares de crianças, foram perdidas em resultado de um conflito armado cuja violência atingiu níveis absolutamente inaceitáveis.
Antes de mais, condenamos com veemência o ataque terrorista perpetrado, no dia 7 de outubro de 2023, pelo Hamas contra civis israelitas. O assassinato brutal de mais de 1.200 pessoas, entre as quais mulheres, crianças e idosos, e a captura de centenas de reféns constituem crimes hediondos, que merecem a nossa total repulsa. O uso da violência indiscriminada contra civis inocentes, por parte de organizações que não respeitam o direito internacional, deve ser, inequivocamente, rejeitado.
O Estado de Israel tem o direito à sua existência, à sua segurança e à legítima defesa, como qualquer Estado soberano, membro da comunidade internacional. Este direito é historicamente justificado, não só pelo reconhecimento internacional consagrado na Resolução 181 das Nações Unidas, mas também pelo longo e doloroso percurso do povo judeu ao longo da História.
Recordamos, com respeito e consciência histórica, as inúmeras perseguições sofridas pelas comunidades judaicas ao longo dos séculos: expulsões, pogroms, discriminação religiosa e cultural, culminando na tragédia do Holocausto — o genocídio sistemático levado a cabo pelo regime nazi durante a Segunda Guerra Mundial, que resultou no extermínio de seis milhões de judeus, incluindo um milhão e meio de crianças.
O Holocausto é uma ferida na consciência da humanidade, um símbolo da barbárie que ocorre quando se desumaniza o outro. A criação do Estado de Israel em 1948 representa, entre outras coisas, um compromisso com a sobrevivência e autodeterminação do povo judeu. Esse compromisso deve ser honrado e protegido.
Contudo, nenhum passado de sofrimento justifica o presente sofrimento imposto a outros povos. Nenhuma memória de dor pode ser utilizada como escudo para legitimar a violência desproporcionada e a punição coletiva de populações inteiras.
Neste sentido, a resposta militar israelita em Gaza tem ultrapassado todos os limites aceitáveis à luz do direito humanitário internacional. As ações que visam áreas densamente povoadas, a destruição deliberada de infraestruturas civis — escolas, hospitais, campos de refugiados —, e a imposição de um bloqueio alimentar e de medicamentos a mais de dois milhões de pessoas constituem violações flagrantes dos princípios da proporcionalidade, da distinção entre alvos civis e militares e da proteção dos não combatentes.
De acordo com dados recentes das Nações Unidas e de organizações humanitárias no terreno, mais de 35 mil pessoas morreram em Gaza desde o início do conflito, entre as quais mais de 14 mil crianças. Estas vítimas não são “danos colaterais”. São pessoas com nome, rosto, família e sonhos. A elas devemos a nossa humanidade e a nossa solidariedade.
Denunciamos ainda o bloqueio total à entrada de alimentos, medicamentos, combustível e ajuda humanitária, uma situação que agrava diariamente a catástrofe humanitária. A privação intencional de bens essenciais à sobrevivência de civis constitui, segundo o direito internacional, uma forma de punição coletiva e pode configurar um crime de guerra, nos termos do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional.
As imagens que nos chegam diariamente mostram crianças mutiladas, hospitais sem eletricidade, famílias inteiras soterradas nos escombros, populações forçadas a deslocações contínuas em busca de uma segurança que não existe. O povo palestiniano — e em particular a população civil de Gaza — está a pagar um preço inaceitável por decisões políticas e militares que violam a dignidade humana mais elementar.
A Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores reconhece a complexidade histórica do conflito israelo-palestiniano. Reconhece, também, o direito do povo palestiniano a viver com dignidade, em paz e em autodeterminação, conforme se encontra consagrado em múltiplas resoluções das Nações Unidas. A segurança de Israel não será alcançada através da destruição de Gaza, assim como a paz para os palestinianos não será alcançada pelo extremismo ou pelo terrorismo.
Só a via política, mediada pelo diálogo e pelo respeito mútuo, poderá abrir caminho à paz duradoura. O que se exige hoje da comunidade internacional — e também das instituições democráticas como esta Assembleia — é uma posição clara, corajosa e comprometida com os direitos humanos universais. A passividade, neste momento, será sempre interpretada como cumplicidade.
Este é um Voto de Protesto contra a barbárie, venha ela de onde vier. É um apelo à consciência. Um clamor pela vida. Um grito pela paz.
Pelos que morreram, pelos que ainda vivem, pelos que ainda podem ser salvos.
Assim, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, reunida em sessão plenária:
Condena inequivocamente o ataque terrorista do Hamas contra civis israelitas em 7 de outubro de 2023, reconhecendo o direito do Estado de Israel à sua segurança e à sua existência;
Rejeita com firmeza a violência indiscriminada contra a população civil palestiniana em Gaza, em particular os ataques a infraestruturas civis, hospitais e campos de refugiados, e lamenta profundamente o número de vítimas civis, especialmente entre crianças e mulheres;
Denuncia o bloqueio à entrada de ajuda humanitária essencial como uma violação do direito internacional humanitário, apelando a que todos os corredores humanitários sejam imediatamente abertos e respeitados;
Apela a um cessar-fogo imediato e ao início de negociações diplomáticas, com a mediação da ONU e da comunidade internacional, visando a proteção da população civil, a libertação dos reféns e a busca de uma solução política duradoura;
Manifesta a sua solidariedade com todas as vítimas deste conflito, sem distinção de origem, etnia ou religião, e reafirma a necessidade de que todos os responsáveis por crimes de guerra sejam responsabilizados perante instâncias internacionais;
Compromete-se, no quadro da sua responsabilidade institucional e política, a continuar a defender os valores da paz, da dignidade humana, da legalidade internacional e do respeito pelos direitos humanos universais.
Assim, nos termos estatutários regimentais aplicáveis, propomos à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores a aprovação de um voto de protesto contra a violência indiscriminada em Gaza e pela defesa do Direito Humanitário Internacional. Dê-se conhecimento do presente Voto de Protesto às entidades abaixo referidas, como expressão da solidariedade do povo açoriano com todas as vítimas do conflito, e do compromisso desta Assembleia com os princípios universais da dignidade humana, da paz e do direito humanitário internacional: Presidente da República, Assembleia da República, Governo da República, Provedoria de Justiça, Parlamento Europeu, Presidente da Comissão Europeia, Alto Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros, Secretário-Geral das Nações Unidas (António Guterres), Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Comissão de Inquérito da ONU sobre os Territórios Palestinianos Ocupados, Cruz Vermelha Internacional, Amnistia Internacional – secções portuguesa e internacional, Human Rights Watch, UNICEF Portugal e sede global, Embaixada de Israel em Lisboa, Missão Diplomática da Palestina em Lisboa e Tribunal Penal Internacional.
Horta, Sala das Sessões, 05 de julho de 2025

